12 de outubro de 2015

Bispos podem pedir um novo Sínodo para o próximo ano


À medida que avançam os trabalhos no Sínodo dos Bispos sobre a Família, que decorre em Roma, começa a levantar-se a hipótese de um terceiro Sínodo sobre a família, a ser marcado no próximo ano.

A novidade foi revelada em primeira mão à Família Cristã por D. José Ornelas, bispo eleito de Setúbal e antigo superior geral dos dehonianos, que revelou que «já se fala de uma terceira etapa no sínodo», que pode passar por um novo sínodo, pedido pelos participantes na assembleia que decorre em Roma. «Começam a circular vozes de um terceiro Sínodo, no próximo ano, que possa ser ainda mais objetivo, pois a discussão tem levantado muitas questões que ainda estão a ser estudadas», afirmou o prelado.

Antes da sua partida para Roma, já D. Manuel Clemente dizia à Família Cristã que não se sabia se o Papa iria ficar por aqui na reflexão sobre a família. «E vamos ver se as coisas acabam por aqui. Depois do sínodo, ou o Papa acha que a matéria não está ainda suficientemente aprofundada e encontra outra maneira de continuarmos a refletir sobre isto, ou acha que já tem elementos suficientes para, como é normal acontecer, fazer um documento final que proponha à Igreja e ao mundo», dizia na altura o Cardeal-Patriarca.

Para além disso, também várias passagens dos relatórios dos círculos menores, entregues no final da semana passada, deixam a entender que os próximos 15 dias podem ser «insuficientes» para completar todo o trabalho que é necessário até ao fim do Sínodo, o que pode confirmar que este Sínodo não será a última etapa antes da exortação que o Papa deverá fazer para finalizar todo o trabalho iniciado em outubro de 2013.

D. José Ornelas refere que «o Sínodo não é um Concílio, é um órgão consultivo, mas o Papa tem todo a razão em dizer “vamos pensar e escutar o sentir da Igreja». Neste sentido, será de esperar que, nos próximos dias, se possa perceber se esta é uma possibilidade que se concretiza ou não.

Bíblia é o «livro de instruções da Humanidade» 
Sobre as questões que estão a ser debatidas no Sínodo, D. José Ornelas espera «muito». «Eu nunca participei num sínodo, mas o que tenho ouvido, de pessoas muito próximas que têm participado, é “a gente faz uma discussão, etc, mas nem chega a ser uma discussão, fazem-se uns discursos, apresentam-se ideias e depois o Papa faz uma mensagem”. O Papa Francisco mudou a metodologia, dando mais peso às discussões. Além disso, envolveu muito mais pessoas e a generalidade da Igreja. Isto é caminhar em Sínodus, não pode ser só uns tipos que se reúnem em Roma. Tem de ser um diálogo da própria Igreja, e foi a primeira vez que, para um Sínodo, se interpelou o povo de Deus», refere D. José Ornelas.

Um Sínodo que tenha em atenção os anseios das pessoas e que permita combater a «arrogância» do Ocidente. «Não nos esqueçamos que a conceção de matrimónio que temos no mundo ocidental é diferente noutras culturas, e a arrogância que temos muitas vezes de dizer que nós é que temos a verdadeira imagem do homem, da mulher, é uma arrogância da qual os outros se riem, porque ainda pensamos que somos o umbigo do mundo, e não é verdade», defende.

Afirmando que «temos de estar abertos a outras possibilidades», D. José diz que a «forma de compreendermos e fazermos agir» as verdades que são eternas no nosso mundo «tem de ser adequada, e sempre foram ao longo dos séculos, e a Igreja tem sido mestra nessa adaptação». Essa adequação passa por ter bem claro «o ponto de vista do Evangelho». «O Evangelho é um aprofundamento daquilo que é ser homem e mulher neste mundo. É isso que o Evangelho nos leva a descobrir», porque se não «aceitarmos que o mundo é um mistério que tem uma autorrevelação que é preciso entender», há certas coisas que a Igreja diz que «não está nas nossas mãos», para justificar nada fazer, e isso é muito perigoso. «Nós estamos com capacidades de intervenção novas, mesmo a nível das raízes da vida, e se não temos a sabedoria de entender as coisas, corremos o risco de fazer grandes borradas», avisa.

É neste sentido que D. José Ornelas defende que o que é disciplina pode ser mexido e atualizado. «Deus conta com o Homem para aperfeiçoar este mundo, e por isso lhes deus responsabilidade, as chaves da casa. «O carácter normativo da Bíblia é o livro de instruções da Humanidade e deste mundo. Ali estão os princípios, mas a adequação desses princípios e o desenvolvimento técnico é como a lei e a sua regulamentação. A disciplina tem de ser adaptada ao tempo, e entender a mente do Papa», pediu o prelado.

Acesso aos sacramentos é questão de disciplina 
Considerando que é necessário fazer um «upgrade» à Igreja, que não coloque em causa do Evangelho, mas que adeque a Igreja os dias de hoje, D. José Ornelas usa o exemplo dos divorciados recasados para explicar melhor este upgrade. «A questão da família não deverá sofrer nenhuma alteração, não é porque é uma leizinha, mas porque é uma proposta de felicidade para os casais. Mas o divórcio, por exemplo. No contexto bíblico em que aparece esta discussão, a mulher não era tida nem achada no assunto, e por isso Jesus diz “não, vocês não podem simplesmente repudiar uma mulher”, e já Moisés o tinha feito, permitindo que dessem o libelo. Porque naquela altura o homem separava-se da mulher mas não a tornava livre de se casar com outro homem, ficava como sua escrava, não como mulher. Isso não, e Moisés disse “faça-se justiça”, e pôs o homem e a mulher em paridade», sustenta.


Mas isto não significa que não haja projetos que falham. «As pessoas entram num projeto que era para durar, mas não durou. A vida é uma história, mas se essa história teve percalços e se está a reanimar agora, deve ter formas de expressão dentro da Igreja. Vamos simplesmente abençoar mais um matrimónio? Não, eles não são o mesmo matrimónio, mas são uma outra forma de viver em Igreja», e é preciso «encontrar resposta» para isso.

Resposta essa que pode estar na própria Bíblia. «Quando falha, Jesus diz “a não ser em caso de” e usa o grego porneia, uma palavra com muitas aceções», que a Igreja Ortodoxa entende de forma a permitir uma segunda união, válida aos olhos da Igreja. «A Igreja Ortodoxa, que é outro pulmão da Igreja, tem uma solução diferente, que tem de ser estudada. Não para dizer quem está certo ou errado, mas para ver quais são as soluções, dentro da tradição da Igreja e da Evangelho, que nos pode servir também a nós para encontrarmos caminhos novos.

Até porque a comunhão dos divorciados recasados «é uma questão de disciplina», segundo D. José. «Aos bispos [portugueses], o Papa dizia que temos de ver a incongruência de certas coisas. Temos um tipo que é um grande distribuidor de droga, arrependeu-se, a gente perdoou-lhe, vem à comunhão e ninguém faz problema. Mas se for um que está a procurar viver honestamente e a reconstruir a sua vida, já temos problema... Temos de encontrar formas novas, na busca de soluções que sejam verdadeiramente fiéis ao Evangelho, mas que sejam Boa notícia para estas pessoas. Não pode ser só “não podem”, tem de ser estudada uma forma de chegar a estas pessoas», defende.

O mesmo se passa em relação à poligamia, um problema do continente africano que o antigo superior geral dos dehonianos conhece bem de perto. «Eu vivi isso muitas vezes em missão. A poligamia, sabemos. Mas não podemos chegar e dizer “olha, tu tens 3 ou 4 mulheres, agora escolhe uma”. E as outras? O que se faz a essas mulheres? Temos de ter atenção para não cometermos injustiças que, sendo um bem para alguém, são um mal para outra. As pessoas têm de ser postas no centro da discussão dos problemas, não os princípios», conclui.

Texto: Ricardo Perna
Fotos: News.va e Ricardo Perna

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