28 de outubro de 2014

«Muitas vezes o que afasta as pessoas é a atitude da comunidade, e não a doutrina da Igreja»


Maria Giovanna Ruggieri é a presidente da União Mundial das Organizações Femininas Católicas (UMOFC), tendo sido reconduzida no cargo na Assembleia-geral que decorreu esta última semana em Fátima, onde 500 membros desta união mundial se juntaram para falar sobre o papel da mulher na Igreja. Sobre o Sínodo da Família, onde dois dos membros da união se pronunciaram enquanto leigos, a presidente da UMOFC faz uma avaliação positiva e lamenta que os media generalistas tenham reduzido a discussão alargada a «apenas dois temas», a comunhão dos recasados e as pessoas com tendências homossexuais.

Como é que viu o sínodo sobre a Família?
Vi de uma forma positiva, porque o clima foi muito aberto, as pessoas puderem falar abertamente sobre os assuntos, e isso é muito bom. A ideia de que estamos num local tão importante, com toda a hierarquia, e temos a possibilidade de falar de todas as nossas dificuldades, é muito bom. Este foi um passo em direção ao sínodo do próximo ano, e é importante perceber como o conteúdo deste sínodo pode ser refletido e discutido ao nível local e ver o que volta para discussão em outubro do próximo ano.

Foram colocadas muitas propostas em cima da mesa. Quais foram as mais significativas para si?
Não acho que seja importante destacar um ou outro ponto. Lamento que, nos media, apenas se tenha falado de dois assuntos, e não se prestou atenção a todo o trabalho de reflexão em conjunto, que é muito importante. O Papa disse que não havia dúvidas sobre a indissolubilidade do matrimónio, da abertura à vida dos casais, ou da noção de que o casamento é entre um homem e uma mulher. Estes princípios não foram colocados em causa, são a base da nossa doutrina. Os media apenas transmitiram estes assuntos, aplicaram categorias sociais à Igreja, e esqueceram que a Igreja não é uma democracia, é um corpo em que todos tendem à comunhão. É por isso que é muito fácil degenerar para as questões do poder, em detrimento do serviço. Se eu achar que estou trabalhar numa carreira, para o poder, é mau, mas se eu me lembrar que estou a trabalhar para a comunidade, tudo será mais fácil. Claro que podemos ter opiniões diferentes, mas o que é importante é não quebrar a comunhão, e a mim parece-me que o Sínodo não quebrou a comunhão. Sim, em dois assuntos houve diferença de opiniões, mas a maioria esteve de acordo em todos os casos. Eu vejo o Sínodo como um exercício de comunhão, um caminho em conjunto.

Mas se há desafios que precisavam de ser abordados, é porque algo tem de mudar…
Sim, há. Os participantes falaram dos desafios da migração, que são terríveis. Mulheres da Ucrânia ou da Roménia que deixam os seus filhos com os avós para virem trabalhar para outros países, é um desafio que tem de ser abordado. Ou mulheres da América Latina onde a figura do pai não existe. Não são apenas as questões dos divorciados e recasados ou homossexuais, como os media tentaram fazer perceber. Veja a falta de trabalho. O que fazemos com os jovens que não podem casar porque não têm emprego permanente? Como conciliar essa instabilidade com um casamento e com filhos? Temos de olhar para todos os desafios, não apenas alguns…
Penso que temos muitos assuntos que precisam de ser abordados, e espero que venham a fazer parte da pastoral familiar nas paróquias. Por vezes, quando preparamos os casais para o matrimónio, estas questões não são abordadas, e acho que esta preparação deveria incluir isto.

A preparação para o matrimónio pode ser a solução?
Não digo que seja a solução para tudo, mas é importante que as pessoas tenham noção dos problemas que vão enfrentar. E tenho de dizer outra coisa: deveríamos também perceber que os casais que decidem casar têm de ser apoiados. A minha sobrinha tem 32 e dois filhos, e já esteve desempregada, o que foi muito complicado. Quando ela estava grávida do segundo filho e estava com dificuldades, alguém lhe sugeriu uma alternativa que ela se recusou a aceitar. O que é que fazemos com estas pessoas? Dizemos que elas têm de casar e ter filhos, mas depois, como comunidade, não as apoiamos? Um casal que tem de vir viver para uma grande cidade e não tem ninguém que lhe fique com os filhos, o que fazemos? Qual é a importância da comunidade neste trabalho? Em qual comunidade os casais podem deixar os seus filhos com alguém para que possam até ir comer um gelado como casal, porque é importante para a sua relação que o façam? Estas são pequenas questões, mas que devem ser refletidas para chegarmos a uma conclusão.

As comunidades devem organizar-se para isso?
Sim, porque não? Em vez de julgarem, ou de ficarem a apontar o dedo a dizer “ah, ela é divorciada, não pode comungar”, devemos oferecer as nossas mãos para ajudar, e não para apontar e dizer que ele ou ela não fazem parte da comunidade.

É uma questão de atitude?
Sim, muitas vezes o que afasta as pessoas é a atitude da comunidade, e não a doutrina da Igreja. O Papa Francisco diz-nos muitas vezes que a misericórdia de Deus é tão grande, e mesmo assim nós damos mais importância à lei. Nós esquecemo-nos disto, e apenas aplicamos a lei, em certos casos, e esquecemos a misericórdia. Eu concordo com a lei, mas podemos fazer outras coisas para acolher as pessoas, para lhes dizer que são filhas de Deus e não foram esquecidas…

Entrevista: Ricardo Perna
Fotos: Rita Bruno

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