16 de outubro de 2014

Cardeal Schönborn fala de «um Sínodo autêntico»


Depois de dias de tensão, a conclusão dos trabalhos nos círculos menores do Sínodo da família que decorre no Vaticano trouxe também uma visão mais calma dos documentos de trabalho. Hoje os bispos entregaram as suas propostas para «alteração e aprofundamento» do Relatio Post Disceptationem, a fim de que seja preparada a mensagem final da Assembleia Sinodal e o Relatio Synodi, o documento de trabalho que concluirá este sínodo e lançará as bases de trabalho para o sínodo de 2015.

O Cardeal Christoph Schönborn foi hoje o convidado para vir falar aos jornalistas, e convidado por um deles a adjetivar este Sínodo que caminha para o final, destacou a sua autenticidade. «Um Sínodo autêntico, que se está a desenvolver num sentido muito positivo, porque é um caminho de conjunto», definiu o cardeal austríaco de Viena, Áustria. O prelado declarou-se «surpreendido» com o interesse que o Sínodo está a despertar nas pessoas, mas reconhece que o tema assim obriga. «Poucos temas nos tocam tanto como o tema da família», reconheceu o cardeal. «Todos temos pais, irmãos, primos, tios, etc, e todos sabemos que quando temos problemas, o nosso primeiro recurso é a família», acrescentou.

Defendendo a necessidade de «alargamento da visão da família», o cardeal reconhece que é normal haver «tensões» no Sínodo. «Há vários aspetos a considerar: todos sabemos a doutrina, mas todos conhecemos também a misericórdia de Jesus. Como unir as duas é a questão permanente da Igreja, aqui e a nível local, na paróquia, onde é preciso encontrar um equilíbrio entre a força da doutrina e a pastoral», afirma. E dá o exemplo da indissolubilidade. «A indissolubilidade foi ensinada por Jesus não como uma imposição, mas como uma proposta de caminho de vida, não é um ideal, é um caminho real», diz, reconhecendo de seguida a existência de situações irregulares, que conheceu na primeira pessoa. «Os meus pais eram divorciados, conheço a realidade, não é a ideal, mas é uma realidade. A Igreja fala destas situações porque são verdade, mas fá-lo com compaixão e como um convite a um caminho de fé», sustenta o prelado.

Quanto a perspetivas de mudanças no Catecismo da Igreja Católica, cuja mais recente edição o cardeal Schönborn foi secretário, o prelado não se mostra confiante. «Não creio que haja necessidade de mudanças, mas pode haver desenvolvimentos. Há 50 anos atrás, o fenómeno das uniões de facto era impensável e por isso não foram mencionadas no catecismo, mas hoje são uma realidade que é preciso contemplar», exemplificou, afirmando que, também aqui, a Igreja precisa de dar uma resposta. «São uma desinstitucionalização da família, e devemos enfrentar este novo desafio de encontrar uma palavra para dar nestas situações. A proposta que fizemos foi no sentido de ver esta gradualidade, não da lei, mas da vivência da lei, passo a passo», revelou o cardeal austríaco.

Quanto à questão do acolhimento dos homossexuais, cuja polémica se agravou com a emenda que o Vaticano fez da tradução inglesa do relatório preliminar, para um termo mais leve de avaliação da realidade homossexual, e não tanto de aceitação, como sugeria a primeira versão do documento, o cardeal Schönborn não tem dúvidas sobre como enfrentar a realidade. «Primeiro olhamos para a pessoa, não para a sua orientação sexual. Quando o catecismo fala de acolhimento, é um comportamento básico, todos os seres humanos têm uma dignidade antes de qualquer outra coisa. Mas isto não significa, nem significará, que a Igreja pode dizer que o respeito pela vida humana signifique o respeito por todos os comportamentos humanos», avisou.

«O dom fundamental da criação de Deus é a relação entre homem e mulher, e o catecismo é muito claro. O sentimento da homossexualidade não tem nada a ver com pecado, mas as relações homossexuais não podem ser aceites, pois a Igreja não pode mudar de forma fundamental para aceitar isto. Com todo o respeito pela situação, e sem saber o que estará no documento final, posso prever que será acolhimento, que é elementar», afirmou o cardeal Schönborn.

O Pe. Lombardi, porta-voz da Santa Sé, anunciou na conferência de imprensa que serão disponibilizados os textos de resumo entregues pelos círculos menores. «Em virtude de ter ido publicado o relatório preliminar, a maioria concordou que também estes documentos devem ser publicados», informou o sacerdote jesuíta.

O porta-voz aproveitou o encontro com os jornalistas para transmitir um recado do cardeal Muller, que desmentia categoricamente todas as declarações negativas que tinham sido postas a circular na comunicação social sobre o relatório preliminar atribuídas a si, e para informar que o Papa Francisco tinha decidido incluir na comissão que prepara o Relatio Synodi o cardeal sul-africano Wilfrid Napier e o arcebispo australiano de Melbourne Dennis Hart. A inclusão do cardeal africano, não sendo possível confirmar tal situação, acaba por ir contra as declarações do cardeal Kasper reproduzidas ontem pela agência de notícias ZENIT, onde afirmava que os bispos africanos de países de maioria muçulmana não poderiam ser ouvidos sobre algumas das matérias, tendo em conta a realidade que vivam nos seus países.

Texto: Ricardo Perna
Foto: News.va

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