9 de outubro de 2014

Bispos estão a «tentar encontrar o que é a vontade de Deus»


Os cuidados pastorais a ter com divorciados e recasados, homossexuais e outros casos de uniões irregulares e a promoção de alterações nos processos de nulidade matrimonial foram os tópicos mais em discussão na tarde de ontem e na manhã de hoje. O excesso de intervenções pedidas pelos bispos sinodais levou a que o tema de ontem se estendesse até parte da manhã de hoje, provocando atrasos na discussão do tema previsto para esta manhã, que será apenas concluído da parte da tarde.

A discussão foi «acesa» e «apaixonante», «com todas as cartas na mesa», explicou o Pe. Thomas Rosica, um dos porta-vozes que fazem o resumo diário aos jornalistas, mas sempre envolto num «clima de respeito» por todas as intervenções. O Cardeal Francesco Coccopalmerio, presidente do Conselho Pontifício para os Textos Legislativos, foi um dos bispos presentes hoje no briefing, e o mais requisitado pelos jornalistas presentes.

No tópico do acolhimento aos divorciados recasados, o Cardeal Coccopalmerio demonstrou a abertura que se tem vivido no sínodo com uma postura aberta ao acolhimento destas pessoas. «Pensem numa mulher que se casou com um homem abandonado injustamente pela sua esposa, com três crianças pequenas. Esta mulher uniu-se a ele, criou as três crianças, deu-lhe a vida e agora dizemos-lhe: “abandona esta união, senão não te damos a Comunhão” O que devo fazer nessa altura?», questionou, sem no entanto esclarecer se concordava que essa pessoa deveria receber os sacramentos que, segundo a lei canónica atual, lhe são negados.

O cardeal italiano afirma que «devemos adotar a hermenêutica do Papa, que é a de guardar a doutrina, mas partir da pessoa individual, do seu sofrimento, e dar uma resposta individual às pessoas concretas que se encontram em situações de gravidade e urgência». Por isso, defende alterações que podem ser muito significativas nos processos de nulidade, nomeadamente no que diz respeito ao envolvimento do bispo diocesano no processo. «Se o defensor é uma pessoa credível, eu bispo, posso declarar que o matrimónio é nulo. E em alguns casos isto poderia tornar o processo mais rápido. Apenas o testemunho de um ou dois dos contraentes - sem prova testemunhal, documental, apenas a palavra. Neste caso, se são “credíveis”, eu bispo desta diocese, posso declarar que este matrimónio é nulo», sustentou o prelado, acrescentando que, «em certos casos, é verdadeiramente importante», que este procedimento avance.

Quanto à questão dos ortodoxos, o Cardeal Coccopalmerio confirma que a questão foi abordada na aula sinodal durante as intervenções, e aceita que se estude e hipótese, mas não está convencido do sucesso dessa abordagem. «Só o primeiro matrimónio ortodoxo é o verdadeiro matrimónio. As outras uniões não são matrimónios, são uniões acompanhadas, bentas, mas não são matrimónios para os ortodoxos. O Sínodo tomou em consideração esta hipótese, e veremos. Creio que o assunto pode ser colocado a estudo nos círculos menores, mas para mim é difícil que se faça isto com sucesso», considerou.

Foram ainda lançadas pelos bispos outras possibilidades de agilizar os processos de nulidade, como a exclusão de uma segunda sentença, a existência da figura do defensor do vínculo, uma maior divulgação desta possibilidade aos fiéis. Tudo olhando na necessidade de encarar cada caso como um caso, sem soluções que sirvam para toda a gente. «O que está a acontecer no Sínodo é que temos uma forma de reflexão indutiva, baseada na experiência das pessoas, que é uma fonte teológica. Estamos a aprender a usar o estudo de caso, ao refletir teologicamente sobre os casos das pessoas. Aprender a fazer isto vai levar tempo, e muitas vozes dizem que não há nenhuma linha que será aplicável a todos os indivíduos», sustentou D. Paul-André Durocher, presidente da Conferência Episcopal do Canadá, o outro convidado no briefing desta manhã.

Impedir «matrimónios turísticos»
Durante as intervenções no sínodo, um dos aspetos mais focados foi a preparação para o matrimónio. O Pe. Dorantes, outro dos porta-vozes, falou da intervenção de um bispo que falou da existência de «matrimónios turísticos», um fenómeno que tinha na sua diocese, onde havia uma igreja que, pela sua beleza, recebia noivos de todo o mundo. «Os sacerdotes que prestavam serviço lá estavam tão desanimados que não faziam qualquer tipo de trabalho pastoral com os noivos, limitavam-se a pedir que os papéis viessem todos em ordem, e nada mais, e os próprios novos encaravam a celebração como mais uma paragem no périplo turístico por aquele país. Acabei por proibir que se realizassem lá essas celebrações, e sugiro que todos os bispos façam o mesmo nas suas dioceses», disse o bispo na sua intervenção.

Este exemplo veio no seguimento de muitos outros padres que, segundo o Pe. Rosica, falaram na necessidade de aprofundar a preparação para o matrimónio, para que este possa ser «apresentado aos jovens desta nova geração de uma forma que seja apelativa para eles», sem perder a exigência necessária.

O Pe. Rosica falou ainda que, apesar de «muitos pretenderem respostas imediatas», «o que foi pedido foram estratégias pastorais a médio e longo prazo, num esforço comum que permita evitar o desmoronar dos valores».

Sobre a questão do acolhimento aos homossexuais, ficou claro para o Pe. Rosica que o sínodo pretende que haja «um cuidado pastoral em relação aos homossexuais». «Não se trata de fazer analogia entre casamentos, mas, ao fazer a distinção, respeitar a humanidade de cada pessoa e tratá-los com respeito e compaixão», disse o sacerdote.

O Cardeal Francesco Coccopalmerio acrescentou que é preciso que essa distinção fique clara. «Não rejeitamos os casais homossexuais, mas dizer que abençoamos esse tipo de união, por uma questão de lógica, não podemos dizer, pois não faz parte do nosso modo de ver a doutrina cristã», referiu o prelado.

Texto: Ricardo Perna
Fotos: News.va e l'Osservatore Romano

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