Pensar a família como um todo é
pensar o futuro da sociedade. Com esta ideia no pensamento, o Papa Francisco
resolveu dedicar o primeiro sínodo do seu pontificado ao tema da família. São
vários os assuntos que vão ser debatidos, pois a família toca em diferentes
realidades, e aqui mostramos apenas algumas das questões que vão estar em
causa. A expetativa é grande, mas não são de esperar grandes decisões no final
deste sínodo extraordinário.
Texto Ricardo Perna
O Papa Francisco surpreendeu o
mundo, (mais uma vez, dirão alguns), quando, em outubro de 2013, anunciou a
realização de um Sínodo sobre a Família. A surpresa não veio do anúncio do
Sínodo em si, mas em tudo o que veio depois. Desde logo, a realização de dois
sínodos, um com carácter extraordinário, para 2014, outro ordinário, em 2015.
No dia do anúncio, o Pe. Lombardi, da sala de imprensa da Santa Sé, explicava
que «esta é a forma com que o Papa pretende fazer um caminho de reflexão na
unidade da igreja, promovendo a participação responsável do episcopado de todas
as partes do mundo». Conhecido por ser um homem de consensos, Francisco mostrou
isso mesmo logo em novembro, quando chegou às dioceses de todo o mundo o Lineamenta, o documento preparatório que
é habitualmente enviado a todos os bispos. Juntamente com o documento, a
indicação expressa de que o mesmo deveria ser distribuído a todos os
movimentos, congregações e pessoas individuais interessadas em enviar as suas
respostas sobre a realidade da sua igreja local. Apesar de esta intenção
teórica estar sempre presente nos sínodos anteriores, foi a primeira vez que
ela foi vincada desta forma.
As respostas foram em grande número, e provocaram algum burburinho à medida que as opiniões foram sendo conhecidas, já que muitas iam criticavam a doutrina da Igreja em alguns temas.
As respostas foram em grande número, e provocaram algum burburinho à medida que as opiniões foram sendo conhecidas, já que muitas iam criticavam a doutrina da Igreja em alguns temas.
No entanto, Francisco conseguiu o
que queria: pôs grande parte do mundo crente e não crente a falar sobre a
família, os seus desafios, forças e fraquezas. Além disso, criou uma expetativa
sobre o sínodo que irá fazer com que as suas conclusões sejam escutadas com a
maior das atenções.
Este sínodo que se inicia a dia 5
deste mês vai servir para ouvir os presidentes das conferências episcopais de
todo o mundo falar sobre a realidade local da igreja relacionada com os temas
da família. Vai ser uma reunião global essencialmente de auscultação, da qual
não são esperadas nenhumas conclusões definitivas, sejam elas pastorais ou
doutrinais. O Papa quer consolidar o conhecimento da realidade da igreja nos
diferentes países do globo, complementando as respostas que recebeu do
questionário mundial com as opiniões, de viva voz, dos presidentes das
conferências episcopais de todo o mundo, que lhe trarão a experiência pastoral
de cada país e as dificuldades específicas de cada região do globo.
Muitas pessoas aguardam este sínodo de outubro com a expetativa de que saiam respostas claras, e esse poderá ser o principal risco de todo este entusiasmo que rodeia o encontro, já que não se afigura plausível que, com um novo sínodo daqui a um ano, desta reunião saiam grandes decisões.
Outra dúvida é saber se Francisco
irá promover mudanças doutrinais ou pastorais dentro da Igreja. Apesar de ser
olhado por todos como um progressista, a verdade é que o Papa não tem “inovado”
a doutrina da Igreja como alguns setores da Igreja esperavam, antes tem inovado
pela prática pastoral e pela abordagem aberta e próxima das pessoas. Por isso,
a dúvida sobre eventuais mudanças doutrinais mantém-se e apenas poderá ser
esclarecida depois dos Sínodos. Certo é que Francisco pretende que a família volte
a ganhar o relevo que os últimos anos lhe foram roubando enquanto célula base
da sociedade e da felicidade do ser humano.
Temas sobre os quais o Sínodo se
vai debruçar:
Divorciados e recasados

O Cardeal Kasper defende a
reintegração destas pessoas, após um período de penitência e reflexão interior,
mas muitos apontam a indissolubilidade do matrimónio descrita na Bíblia como
algo que inviabiliza esta opção, apesar dos cristãos ortodoxos terem encontrado
nos mesmos textos bíblicos uma forma de justificar essa segunda união.
Viver uma vida de abstinência
parece dura aos olhos de muita gente, mesmo dentro da igreja, e há ainda quem
defenda que, se a pessoa não for a responsável pelo divórcio, tem o “direito”
de ser desligada desse vínculo e procurar outra pessoa com quem partilhar a sua
vida.
A fé na família
Cultivar a fé na família será o
problema mais perene de todos, apesar de ser aquele sobre o qual menos se fala.
Cada vez mais a família apresenta um défice na capacidade de educar os seus
filhos na fé, e muitas crianças chegam à catequese nas paróquias sem o mínimo
de vivência cristã. Esta é uma questão puramente pastoral, sobre a qual o
Sínodo irá certamente debruçar-se. A catequese familiar é um movimento que tem
conhecido uma expansão grande e pode ser uma opção válida no sentido de
envolver os pais na educação cristã dos seus filhos. Esse envolvimento também
contribui para que as crianças não abandonem a catequese e na se desliguem da
Igreja na idade adulta.
Responsabilizar e formar pode ser
a chave para se criarem comunidades católicas maiores e mais empenhadas no
futuro.
Processos de nulidade e preparação para o matrimónio
Associado às questões dos divorciados, surge hoje a necessidade de agilizar os processos de nulidade, que visam perceber se a união assumida pelo casal no momento do matrimónio existiu ou não.
O presidente do Tribunal
eclesiástico de Lisboa, Pe. Ricardo Ferreira, admite que se possa «abdicar da
confirmação do segundo tribunal na generalidade dos casos, e guardar essa opção
apenas para quem decida recorrer da sentença preferida pelo tribunal
eclesiástico de primeira instância», o que significaria uma diminuição do tempo
necessário para o processo que já foi bastante diminuído com o aumento dos
recursos humanos nos tribunais). Também a nível dos custos é possível já hoje
que estes sejam diminuídos ou anulados no caso de dificuldades financeiras, o
que facilitará o acesso de mais pessoas aos mesmos.
Juntamente com a questão da
nulidade, está a questão da preparação para o matrimónio. Muitos dos casamentos
hoje são nulos por falta de maturidade dos noivos no momento da celebração, e
isso é culpa, em grande parte, da fraca formação que é dada a esses noivos. Os
cursos de preparação para o matrimónio não chegam a toda a gente, e os
sacerdotes não se negam a casar ninguém, mesmo que vejam claramente que não
estão preparados ou conscientes do que vão fazer. Isso pode mudar se a Igreja
apostar de forma mais clara na obrigatoriedade da formação dos noivos e tiver
uma postura mais firme na decisão de celebrar ou não certos matrimónios.
Diminuirá o número de casamentos, mas também o número de divórcios e situações
dolorosas para as pessoas envolvidas.
Novos conceitos de família
Filhos de pais separados, adultos
em situação irregular que prestam serviço na paróquia, uniões de facto,
casamento homossexual, adoção homossexual… são várias as matérias que provocam
uma mudança no panorama familiar da sociedade contemporânea. A existência
destes modelos e o que é possível fazer para os acolher dentro da doutrina da
Igreja será certamente um dos temas a debater no sínodo. O Papa já mostrou
estar aberto e disponível para acolher todos na Igreja, mas também não se
mostrou disponível para mudar a doutrina da Igreja para que isso aconteça.
Partirá das pessoas compreender o que se espera de um católico, e da Igreja
entender que a realidade mudou e que há que fazer novo entendimento de coisas
que poderiam não ser admissíveis em tempos. Sem colocar a doutrina em causa,
não se anteveem soluções fáceis, nomeadamente no caso das uniões homossexuais.
0 comentários:
Enviar um comentário